segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Operação Valquiria

O filme é baseado em fatos reais do Coronel Claus von Stauffenberg (Tom Cruise) do exército alemão que percebe que os interesses de Hitler não são os melhores para a Alemanha. Ele se une a uma resistência alemã para tentar dar um golpe de estado, cujo principal plano é o assassinado de Adolf Hitler.

Nota histórica: A Operação Valquíria era um plano emergencial para a Reserva do Exército alemão restaurar a lei e a ordem em Berlin caso a cidade fosse bombardeada pelos Aliados. O plano foi aprovado pelo próprio Hitler, mas foi alterado por conspiradores da Resistência Alemã que almejavam tomar o controle das cidades alemãs, desarmarem a SS e prender a cúpula de poder nazista, após o assassinato de Füher em um atentado. A morte de Hitler era crucial para libertar os soldados alemães de seu juramento de lealdade ao Füher. (Wikipedia)


A idéia principal do filme é que não se pode servir à Alemanha e ao Führer ao mesmo tempo. Uma tentativa de mostrar quem nem todos os alemães estavam de acordo com Hitler. O filme envolve o espectador de tal modo que, mesmo sabendo o final, torce para que o golpe dê certo. Provoca no espectador a idéia de que não é possível manter-se isento nessa discussão.

O filme mostra que havia traidores do governo no exército, como o coronel Stauffenberg, porém também aponta para traidores no grupo de resistência à Hitler. Interessante notar que o coronel é um traidor do ponto de vista governamental e é um herói para o mundo devido sua resistência ao holocausto. O espectador se vê torcendo por um militar nazista, embora traidor, e isso aponta para certa ironia, uma possível crítica ao “politicamente correto”.


domingo, 22 de fevereiro de 2009

Dúvida

Em 1964, na escola católica de St. Nicholas, no Bronx (New York), padre Flynn (Philip Seymour Hoffman) tenta modificar os rígidos costumes da escola seguidos pela irmã Aloysius Beauvier (Meryl Streep). Nessa época, a escola aceita seu primeiro aluno negro, Donald Miller (Joseph Foster). Atendendo a solicitação da irmã Aloysius, a irmã James (Amy Adams) conta sobre sua suspeita de que o padre Flynn é exageradamente atento em relação a Donald. Irmã Aloysius dedica-se a banir o padre da escola. A história é contada através do enfoque da dúvida. Diante da questão levantada irmã James fica entre a cruz e a espada, digo, entre irmã Aloysius que diz ter certeza das atitudes pedófilas do padre, e este que nada confirma, procurando abordar o assunto de modo mais reflexivo sobre a natureza humana. O espectador sente-se inserido na trama e compartilha da dúvida tanto dos acontecimentos de pedofilia quanto do discurso de cada um dos personagens envolvidos. O filme levanta questões e as deixam sem respostas.

Durante quase todo o filme, irmã Aloysius afirma que o padre tem atitudes pedófilas e ao ser questionada pela irmã James, diz que tem suas certezas por conhecer as questões humanas. Irmã Aloysius, que nada presenciou, sente tamanha certeza nas próprias fantasias que possui do padre, e não se dá conta disso, pois não consegue entrar em contato com seus próprios sentimentos. Irmã James busca provas concretas e sem tais provas sente-se dividida, ora apoiando a irmã, ora o padre. Por sua vez, padre Flynn acusa a irmã Aloysius de fofoca, e ao se defender levanta questões da ambivalência humana que coloca em dúvida sua própria moral. Tanto a irmã Aloysius quanto o padre Flynn com seus discursos dúbios deixam o espectador em dúvida sobre o que dizem, ora acreditando ora duvidando das acusações e defesas ditas por ambos. O espectador também não sabe em quem acreditar. E no fim do filme, se o espectador tentou buscar a certeza do que ocorreu, na última cena, é crucificado, pois a irmã Aloysius que afirmou sua certeza todo o tempo, alivia em lágrimas todas as suas dúvidas.

Com posicionamentos de câmeras belíssimos, o diretor John Patrick Shanley demonstra a certeza e a dúvida baseadas em suposições em distintos momentos da trama. O filme questiona a possibilidade de acreditar no outro sem provas, embora os envolvidos acreditem em Deus, também sem provas – é uma questão de fé.

O filme não conta a história passada dos personagens, apenas aquela situação única que vivenciamos, porém aponta para a possibilidade de todos terem vivido grandes dificuldades e provações em suas vidas. Esse passado que não é mostrado influencia firmemente nos seus pensamentos e suas atitudes que são baseadas em pré-julgamentos e pré-conceitos adquiridos no caminhar de suas vidas.

domingo, 15 de fevereiro de 2009

O Leitor - algumas reflexões

O Leitor, romance de Bernhard Schlink, deu origem ao filme de mesmo nome, dirigido por Stephen Daldry, com Kate Winslet (Hanna), David Kross como o jovem personagem Michael, e Ralph Fiennes na idade adulta.

Michael Berg, um adolescente de 15 anos, é iniciado na relação sexual por Hanna Schmitz, cobradora de ônibus, de 36 anos. Seus encontros, que duram um verão, ocorrem como um ritual: banham-se, Michael lê poesias, contos e romances para ela e, então, mantêm relações sexuais. Estabelecem um vínculo profundo, que influenciará suas vidas futuras. A relação tem um fim abrupto, pois Hanna desaparece da vida de Michael, quando é informada de uma promoção no seu trabalho.

Alguns anos depois, Michael inicia a faculdade de direito e com sua turma de colegas e o professor acompanham um processo de acusação a ex-guardas de um campo de concentração nazista. Uma das acusadas e condenadas à prisão é Hanna. Após 20 anos, época em que sairia da prisão, enforca-se na cela, deixando seu dinheiro para ser entregue a umas das vítimas do holocausto, através de Michael.

O filme traz alguns questionamentos e aponta para a complexidade das possíveis respostas em relação ao povo alemão, indicando que qualquer julgamento em relação aos envolvidos não é simples, nem justo.

Em determinado momento do processo, o juiz pergunta à Hanna se ela realmente tinha escolhido 10 mulheres para levá-las à morte, ao que ela responde: “o que o senhor teria feito?” O silêncio é absoluto e o olhar perplexo de todos na audiência indica a complexidade da situação, ampliando a questão sobre a culpa e a conivência dos alemães na morte de tantos judeus. As críticas precipitadas e generalizadas ao povo alemão também podem ser injustas. As situações da vida não são tão simples e as pessoas são complexas o suficiente para impossibilitar uma genérica divisão entre vítimas e culpados.

Hanna, a princípio e aos olhos da testemunha que era prisioneira do campo de concentração, era considerada uma das guardas “boas”, pois escolhia as mulheres doentes para a morte ao invés das jovens e sadias. Desse modo, aponta para a bondade de Hanna numa situação limite, tentando ser um pouco mais justa diante de suas atitudes injustas. Porém, foi dito que ela comandava as outras guardas e era responsável pelo relatório que comprovava a morte das prisioneiras judias. As demais ex-guardas que também eram acusadas nesse processo, apontaram-na como a culpada pelos acontecimentos. Por vergonha de defender-se e confirmar que era analfabeta, Hanna assumiu a culpa para si. Assim, enquanto as outras ex-guardas receberam punições de 4 ½ anos de cadeia, Hanna foi levada à prisão perpétua. Essa situação demonstra a injustiça sofrida por Hanna perante as outras acusadas. Declara um mundo injusto, de verdades escondidas e situações manipuladas, dificultando, senão impossibilitando, qualquer julgamento – justo – diante da observação mais próxima dos fatos.

Outra situação que aponta para a dificuldade de fazer-se justiça é a própria existência desse julgamento que ocorreu a partir da publicação de um livro escrito por uma sobrevivente do holocausto, onde mencionou o nome das ex-guardas. Devido a divulgação midiática, foi aberto esse processo, porém inúmeros outros guardas não foram acusados nem sentenciados pelas suas atitudes. Hanna foi um bode-expiatório, e pagou com sua própria vida.

Michael viveu um grande conflito na época do julgamento, pois percebeu que Hanna era analfabeta e preferiu acusar-se como culpada a admitir-se iletrada. Ele poderia intervir no julgamento a favor de Hanna, porém interferiria na escolha dela. Além disso, precisaria assumir publicamente seu antigo romance secreto com uma ex-guarda que levou dezenas de mulheres à morte. Uma maneira sutil de discutir a responsabilidade moral individual e social, e suas consequências. O limite entre eu e o outro nem sempre é tão definido. Michael, por não influir na escolha de Hanna, foi conivente com sua decisão, e portanto, com uma mentira, com uma injustiça, com sua prisão perpétua. Aponta para a facilidade de acusação de conivência, para a moral individual e social que nem sempre se entrelaçam, para a complexidade de tais decisões que não é observada.

Deflagra que nossas pequenas atitudes parecem irrelevantes quando no âmbito pessoal, porém ganham grandes proporções no social, como no holocausto. A exemplo disso, Michael é responsável por uma nova esperança de vida para Hanna quando decide enviar-lhe gravações de livros para que ouvisse na cela. Porém, ele não responde as insistentes cartas da prisioneira, que começa a definhar de tristeza. No encontro anterior a libertação da acusada, Michael não demonstrou alegrias ou esperanças para Hanna, numa postura fria e distante. Quanto de sua atitude foi responsável pelo suicídio dessa mulher? Quanto se pode culpar Michael por essa morte? E conversando com o passado, quanto se pode culpar Hanna por um romance com um adolescente? Quanto se pode culpá-la por aceitar uma promoção no seu emprego, cuja verdade veio à posteriori? Quanto é possível prever as consequências das nossas escolhas e atitudes? Quando é possível voltar atrás?

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

A alma boa de Setsuan

A alma boa de Setsuan, do dramaturgo Bertolt Brecht, foi dirigida por Marco Antônio Braz e protagonizada por Denise Fraga. Através do humor, procuram evidenciar o embate ético da obra brechtiana.

Nessa montagem da peça, o camarim é montado no palco, onde os atores arrumam-se e aguardam suas entradas. São, também, os atores que mudam o cenário entre um ato e outro com iluminação que permite a visualização das alterações pela platéia. Indica que não há nada por trás, escondido, escuso. As questões são claras, explícitas.

A história é ambientada na China, no povoado de Setsuan. Três Deuses (eu – tudo que está em volta e a pomba ou Espírito Santo, representados por Ary França, sua bicicleta e a pomba em seu ombro) descem a Terra na busca de uma alma boa para provarem que não fracassaram como Deuses. Descobrem Chen-Tê, uma prostituta que por sua bondade recebe um saco de moedas de prata dos Deuses como recompensa. Porém, as pessoas a sua volta a exploram interessadas no seu dinheiro. Sem saber dizer não e sentindo-se abusada por seus conhecidos, Chen-Tê cria outra persona, seu primo Chuí-Ta, para tentar defender-se. Este, inflexível e duro, consegue dirigir seus interesses como um investidor capitalista. Desse modo, Chen-Tê aparece ora como a generosa e meiga Chen-Tê, ora como o austero Chuí-Ta, indicando uma personalidade dividida para lidar com as diversas facetas da vida.

Essa cisão explícita da protagonista destaca os lados bom e mau que constituem cada sujeito. Uma dualidade que nem sempre é percebida ou aceita pelas pessoas. O conflito da personagem indica a dificuldade em lidar com nossas próprias diferenças e ambiguidades.

Não há uma solução para essa dualidade bom/mau do homem. O dramaturgo solicita nossa reflexão sobre o assunto. Talvez, aponte para uma dualidade inerente ao homem, sem solução, apenas a possibilidade de compreensão e de aprendermos a lidar com nossas diversas facetas.

Como uma autocrítica, a peça inicia com o personagem Três Deuses colocando em dúvida a própria existência. Durante a apresentação, questiona-se a moral e a bondade de Deus, que permite misérias, sofrimentos, injustiças, não favorecendo os bons e premiando os maus. No fim da apresentação, a dúvida sobre a existência de Deus é retomada e somada a dúvida da possibilidade da bondade humana.


domingo, 8 de fevereiro de 2009

Se eu fosse você 2

Claudio (Tony Ramos) e Helena (Glória Pires) resolvem se separar e, para piorar a situação, descobrem que a Bia, filha de 18 anos do casal, está grávida e quer se casar. Em meio a essa crise, os dois trocam de corpos.

A troca de corpos se dá num momento de grande desentendimento entre os dois. Quando conseguem entender-se novamente, cada um retorna ao seu próprio corpo. Essa troca indica uma tentativa de controlar o outro, apoderar-se de suas atitudes, seus pensamentos e sentimentos.

Aponta, também, para a fraca confiança que existe em ambos em relação ao outro, pois um não acredita no que o outro diz, preferindo dar crédito às suas próprias fantasias baseadas em ligeiros sinais de alguns acontecimentos que viveram.

Com corpos trocados percebem em situações diversas que o parceiro é sincero, e não houve mentiras ou traições de nenhuma das partes. Nesse momento, a confiança um no outro é reestabelecida, e eles podem aproximar-se novamente.

Entretanto, essa experiência cutuca seus preconceitos em relação a diferença de gêneros, possibilitando que cada um transforme seu mundo interior, tornando-se mais compreensível e flexível em relação ao outro.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Minúsculos assassinatos e alguns copos de leite - de Fal Azevedo

O livro conta a história de Alma, uma artista plástica de 44 anos, que passa a limpo sua trajetória melancolizada por separações e mortes – pai, duas irmãs, marido, filha – constituindo uma delicada colcha de retalhos da vida, na busca de alguma felicidade em seu futuro. Num caminhar solitário e num tom de conversa consigo mesma, a personagem relembra, avalia e reinventa a própria vida.

E como o próprio texto previu na página 188, aqui começa a interpretação psicanalítica da obra.

A apresentação da narrativa remete à associação livre ao flutuar entre o passado e o presente, trazendo fragmentos que estão associados pelas emoções e pelas identificações. Reflete, também, o modo de funcionamento do psiquismo ao vivenciar o passado no presente, ao associar as situações e os sentimentos vividos na sua trajetória. Expõe cruamente as fantasias e os desejos de todos os tempos.

A história oscila entre os acontecimentos atuais e as lembranças desse percurso, apontando o entrelaçar do que foi e do que é na construção do que será. Mostra o fundo do poço da Alma (nos dois sentidos), onde ela permanece por algum tempo, até que uma fagulha de luz ilumina a profundeza mais profunda e, aos poucos, aparecem degraus nesse poço trazidos pelo renascer da esperança, oferecendo a possibilidade de uma nova vida.

O tempo da história revela o processo de luto. Do morrer parte de si junto com o morto até a recuperação da própria vida. É desse modo que Alma, perturbada pela dor que carrega consigo, começa a superar suas dificuldades e investir recursos em novas oportunidades, reconstruindo sua vida. Do princípio enclausurado e desesperançado, a fagulha de vida surgiu nos desabafos e nas trocas de experiências com outras pessoas através da internet. Foi seu primeiro passo para o investimento no outro. E foi além, ao realizar uma exposição de quadros e encontrar um novo companheiro.

A arte se apresenta como uma possibilidade de exprimir suas emoções, seus pensamentos, seus medos, suas reflexões, suas angústias. É através da pintura que Alma encontra um caminho saudável para lidar com sua melancolia. Como também o faz pela alimentação, expondo uma narrativa permeada por receitas diversas, cuja titulação é sempre um alimento. Sinaliza o desejo pela vida.

O texto desvela o processo de análise. Do sofrido início ao vivenciar as dores mais escondidas, mais secretas. Da conseqüente busca de recursos para lidar com tamanha angústia. Do esforço na procura de novos significados para as experiências vividas. E da conquista de novos espaços e possibilidades. O começo da narrativa (o início da análise) apresenta as dores mais profundas, muitas vezes num passado distante que está presente, enquanto que o presente em si pouco aparece. Este surge com o passar do tempo, tornando-se mais presente. Mas, o fim da história também indica que, por mais passado que o passado possa ser, e por mais presente que o presente possa estar, o passado não passa, embrandece.