sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Livre para voar

Saiu na Revista Kalunga de outubro de 2009.



Livre para voar

Compete aos pais oferecer aos filhos os ensinamentos e orientações capazes de fazer com que eles cheguem sãos e salvos à vida adulta.

Não é fácil ser criança nos dias de hoje. Se antigamente, antes da regulamentação trabalhista, ela chegava muito cedo ao mercado de trabalho, agora tem tantas atividades que acaba cumprindo uma agenda de “gente grande”. Como se não bastassem os desafios inerentes ao próprio crescimento, foram acrescidos vários outros à sua rotina. Consequentemente, a ansiedade e a angústia em apresentar resultados também passaram a fazer parte do dia a dia dos pequenos.

O crescimento da criança e do adolescente provoca diversas mudanças, que implicam em perdas do que foi alcançado e angústia perante o que ainda deve ser conquistado. Segundo Cláudia Finamore, psicóloga e psicanalista, especialista em psicogeriatria, essas transformações são físicas, biológicas e psicossociais. “A criança pequena que está deixando de usar a mamadeira e iniciando a utilização do copo precisa lidar com a perda do vínculo com a mamadeira e com a angústia da dificuldade perante o novo. Como lidar com um copo, segurá-lo, virá-lo, equilibrá-lo, conter o líquido dentro do recipiente.”

A forma como a criança vai enfrentar essas dificuldades depende, segundo a psicóloga, da postura dos pais. Entretanto, às vezes, eles – devido a suas próprias limitações – aceleram o crescimento do filho, fazendo com que ele lide com aquisições antecipadas para a sua idade. O fato é que, independentemente da idade, as pessoas sentem-se angustiadas ou ansiosas perante a perspectiva de mudanças. No caso dos adultos, a maior parte deles dispõe de recursos para lidar com o desconhecido.

Mas isso não ocorre com os pequenos, que estão ainda em fase de aquisição de recursos de enfrentamento. A presença dos pais é imprescindível para sustentar esses momentos e ensinar a superá-los. “A educação de um filho perpassa, em muito, pelo que é inconsciente. A possibilidade e o modo dos pais enfrentarem riscos na vida ensinam aos filhos como eles veem a vida; a dificuldade, o enfrentamento do perigo”, afirma Cláudia.

E para aqueles que acreditam ter a meninada evoluído o suficiente para lidar com os problemas sociais, a psicóloga faz uma analogia. “Para afirmarmos que crianças e adolescentes evoluíram, precisamos datar essa questão. Se estivermos falando do século 20 e 21, pode-se dizer que elas possuem um contato maior com as informações disponíveis nas diversas mídias, o que permite serem mais bem informadas. Porém, isso não reflete um amadurecimento emocional para lidarem com a vida. Se voltarmos à Idade Média, a criança com 7 anos já participava da vida social como qualquer outro adulto. E como tal era considerada.”

Superproteção

A psicopedagoga Raquel Caruso, coordenadora da Equipe de Diagnóstico e Atendimento Clínico (EDAC), ressalta que a concorrência e o estresse a que muitos pais estão submetidos fazem com que eles projetem essa realidade para os filhos. Dentro de uma sociedade competitiva, os adultos querem que o filho seja o melhor em tudo. Em outras palavras, isso pode gerar uma ansiedade tão grande na criança que ela pode deixar de produzir, travar. Em decorrência disso, muitos pais investem pesado no desenvolvimento dos filhos. Diante do receio com a performance, e tendo que cumprir tantas exigências, eles procuram inflar nas crianças o máximo de conhecimentos, buscando uma resposta rápida e eficaz.

“Os pais procuram se assegurar de que os filhos conseguirão enfrentar e alcançar as expectativas sociais. Como é de se imaginar, esse comportamento os leva a serem superprotetores. A própria palavra superproteger já indica um excesso. Os extremos, seja pela falta ou pelo exagero, prejudicam o desenvolvimento da criança, gerando excesso de angústia e ansiedade, pois ela enfrenta dificuldades em criar recursos para lidar com as novidades”, argumenta a psicóloga. Ela acrescenta que o ideal é proteger, orientar, acompanhar nas situações em que a criança ainda não tem condições físicas e emocionais para enfrentar. “Quando ela já possui recursos de enfrentamento, é importante o apoio dos pais, garantindo-lhes autoconfiança.”

O acesso irrestrito dos pais aos filhos pode ou não infantilizá-los. Muitas vezes, a infantilização decorre da impossibilidade dos pais em lidar com o crescimento dos filhos. Mas pode ocorrer também um desejo da criança não crescer, por nutrir ideias de que a vida adulta é muito difícil e que não conseguirá enfrentá-la. No caso dos pais que tentam atrasar a entrada do filho na puberdade, a psicóloga Cláudia diz que isso se deve à impossibilidade deles se relacionarem com os filhos adolescentes e adultos. Em contrapartida, há aqueles que estimulam o amadurecimento dos filhos e não respeitam todas as fases de sua vida.

De acordo com Raquel, como não existe hoje a pré-adolescência, a criança vai direto da infância para adolescência. Isso faz parte do contexto social a que todos estão expostos, e que não possibilita a assimilação de muitas informações. “Os pais precisam dispor de tempo para os filhos. Por exemplo, reservar um dia para jantar ou fazer uma atividade diferente, para que as crianças possam compartilhar suas experiências.” Em geral, os pais acreditam que tudo está bem na vida do filho. Ela comenta que, às vezes, a criança chora e se recusa a ir à escola. Isso pode ser visto como manha, mas de repente ela está sendo vítima de bullying e não fala porque tem medo de mais ataques e represálias.

Identidade

Segundo Cláudia, o jovem adulto dependente dos pais, de modo geral, tem dificuldades para tratar as incertezas e inseguranças da vida. Assim, optam em ficar mais tempo sob a guarda dos mesmos. Outro fator que pesa na dependência é a mudança dos valores sociais. Há algumas décadas, para que os jovens pudessem ter relações sexuais ou utilizar o dinheiro do modo que escolhessem precisavam da sua independência através do trabalho e do casamento. Atualmente, ele não precisa sair para viver plenamente seus desejos adultos, o que propicia ficar mais o tempo na casa paterna.

Dar um norte para a vida dos filhos é uma das atribuições que os pais têm; faz parte do processo de educar. É comum o jovem romper essa barreira na adolescência para construir a sua identidade. Isso ocorre independentemente dos pais serem ou não superprotetores. Há adultos com 40 e poucos anos que são adolescentes. Isso ocorre porque eles não conseguiram romper o vínculo com a família. Mas são casos esporádicos, conforme Raquel.

“Vários fatores influenciam o amadurecimento de uma pessoa. Sua história de vida, sua relação com os pais, seu desenvolvimento psíquico. Na sociedade atual, vemos que o jovem se relaciona com pouco compromisso aos estudos, ao projeto de vida, à carreira e às relações amorosas. Em parte, isso ocorre devido à dificuldade dos pais em impor limites na educação de seus filhos e assim colaborar no amadurecimento deles”, finaliza Cláudia. (M.A.)